Uma doença silenciosa chamada filtro do Instagram

Uma doença silenciosa chamada filtro do Instagram

Meu primeiro contato com computadores que rodavam programas gráficos foi em 1994. Anterior a isso, por volta de 1990, eu trabalhava em uma agência de publicidade, e lá, tinha contato com fotografias e já fazia pequenos retoques em imagens. Eram tempos difíceis em relação às técnicas e tecnologias disponíveis. De todos que trabalhavam no estúdio da empresa, eu era um dos mais requisitados para esses pequenos retoques, acredito eu, devido ao meu perfeccionismo.

Os tempos eram outros. A imensa maioria desses trabalhos eram relacionados à produtos, cujas imagens, deveriam ser perfeitas. Mesmo não fazendo muito, nós sabíamos (e estudávamos) os retoques em fotos usadas em outros tipos de publicações, como moda, beleza, etc. Uma das precursoras no tratamento de pessoas foi a revista Playboy, ícone mundial de ensaios sensuais e nus que, por anos, dominou o mercado.

Até hoje, mais de três décadas depois, ainda se fala da edição que trazia a jogadora Hortência na capa. Ali, a revista mostrava todo o seu poderio tecnológico nas questões relacionadas ao retoque. Mas, em um determinado momento, o qual não há como se determinar exatamente quando, tanto a revista, quanto o mundo da moda e beleza, incluindo o publicitário, perderam a mão.

Em muitos casos, tanto em editoriais, quanto em anúncios, os retoques eram tantos, que pessoas e produtos ficaram praticamente irreconhecíveis. Tudo isso acontecia em nome da perfeição, sendo que a perfeição não existia. Se fosse levado ao pé da letra, deveria ser em nome da enganação, porque estava bem mais próximo disso do que da perfeição.

Veio então, a informatização e digitalização das imagens. A questão aqui não era demonizar o retoque, e sim o excesso dele. Algumas imperfeições na foto, manchas ou objetos fora de contexto realmente deveriam realmente ser eliminados, mas uma ampla modificação não era o correto. Até este momento, os recursos necessários para a manipulações de imagem ainda estavam em um nível extremamente alto. Para realizar esses trabalhos, eram necessários computadores caros, monitores de alta definição e programas igualmente caros e difíceis de trabalhar.

A coisa toda começou a complicar ainda mais com a indústria da beleza criando padrões inatingíveis. Marcas gastavam milhões e milhões na manipulação das imagens das modelos que estampavam suas campanhas. A intenção, claro, vender mais produtos e procedimentos estéticos.

No entanto, nem todo mundo tinha dinheiro suficiente para comprar tantos cremes e se submeter a tantas intervenções estéticas em busca daquela aparência ideal (em muitos casos, manipuladas digitalmente). Isso foi criando uma frustração crônica em quem queria ser daquele jeito mas não era.

Como diz o ditado, não há situação ruim que não possa piorar. Na virada do milênio, começaram a ganhar força as redes sociais, alavancadas principalmente pela popularização dos smartphones. Inúmeras pesquisas mundiais mostram que as imagens têm um poder de prender a atenção muito maior que a escrita, e isso não foi diferente nessas comunidades.

Foi aí que surgiu, em 2010, o Instagram. Na época, uma rede exclusiva para compartilhamento de fotografias. E onde há uma demanda, sempre há alguém disposto em suprí-la. Eles começaram a criar filtros que transformavam as fotografias. No começo, as mudanças estavam focadas principalmente nas cores. Haviam filtros para envelhecer uma foto, torná-la preto e branco, mudar os tons, etc.

Com isso, criou-se a ideia de que qualquer dono de um smartphone, poderia criar imagens parecidas com fotos profissionais. Paralelo a esse pensamento, ganhava espaço um novo recurso até então pouco usado, as chamadas “selfies”. Selfie é o termo criado para designar uma fotografia que uma pessoa faz dela mesma, ou, como conhecemos em fotografia profissional, um autorretrato.

Embora as fotos pudessem ter suas cores e efeitos modificados, no usuário ainda existia aquela frustração com a própria imagem. Então, com o avanço dessa tecnologia dos filtros, desenvolvedores começaram a criar soluções que alteravam também as características das pessoas, como alisar a pele, aplicar maquiagem, mudar a cor dos olhos, etc.

Isso gerou um mercado pouco conhecido das pessoas comuns: a dos criadores de filtro. Celebridades passam a gastar pequenas fortunas para que esses desenvolvedores criassem seus filtros exclusivos. Essas mesmas celebridades, depois os redistribuíam gratuitamente. A intenção por trás disso? Aumentar seus engajamentos nas redes, o que era bom comercialmente, de uma forma ou de outra. Podemos dizer então, que essa situação é algo muito parecido com o que vimos anteriormente nesse artigo, empresas e pessoas manipulando imagens com o objetivo de algum tipo de lucro.

Olhando pelo outro lado, usuários das redes sociais, viram ali, uma chance de se parecer com aqueles padrões físicos que tanto almejavam. E o melhor, de forma gratuita. Começaram então, a usar indiscriminadamente esses filtros. Em todas as postagens esses recursos estavam presentes, mesmo que a imagem final estivesse muito distante da realidade. E essa distância não é só relacionada à idade, a mudança na cor dos olhos, por exemplo, não reflete a realidade. É até legal usar um recurso assim, uma vez ou outra, em forma de brincadeira, mas muitas pessoas passaram a usar como padrão, não publicando nada sem eles. E é aí que o problema começa.

Se há uma certeza nessa vida, é toda ação gera seus efeitos colaterais, e com o uso de filtros não foi diferente. O exagero fez com que as pessoas passassem a acreditar que suas imagens manipuladas digitalmente eram o padrão, mesmo que isso degradasse sua imagem natural. Começou aí, o que podemos chama de aberrações. Os excessos se tornaram cada vez maiores e tornou-se nítido que aquilo não refletia nem de longe a realidade. Virou então um círculo vicioso e doentio, onde as pessoas não conseguem mais enxergar esse desvio de imagem e, cada vez mais, procuram filtros que alteram sua própria existência.

Silenciosamente, esses desvios vem causando transtornos psicológicos muito sérios, onde a pessoa passa a não aceitar mais sua imagem real. As novas gerações, mais adeptas às tecnologias, são as que têm sofrido mais com isso. Percebi essas questões na minha própria carreira como fotógrafo. Pessoas de gerações anteriores pedem para que eu não use filtros desse tipo (eu já não uso por padrão), enquanto as gerações mais novas, ficam meio que indignadas quando digo que não os uso.

Exemplificando, recentemente fotografei uma adolescente para um trabalho profissional. Tanto as fotos, quanto ela, ficaram lindas. No entanto, ela disse se ver muito velha nas imagens, mesmo não tendo ruga nenhuma no rosto ou qualquer outra coisa que a deixasse velha. Como não sou dono da razão, consultei algumas pessoas para ver suas opiniões, e todos foram unânimes: as fotos retratavam exatamente ela.

Para mim, esse foi um caso explícito do desvio de imagem que a nova geração está sofrendo. Lembro que, antigamente, as garotas faziam de tudo para parecer mais velhas. Hoje, elas têm uma imagem errada de si mesmas, e se apegam a filtros para criar a falsa ilusão de serem mais novas, ou terem suas peles perfeitas, quando na verdade já são. Só no futuro, saberemos o quanto essa distorção vai ser prejudicial.

A intenção desse artigo é que você reflita sobre o uso excessivo de filtros e sobre sua própria imagem. Se perceber que tem algum desvio da realidade em você ou em alguém que você conhece, peça ajuda. Todo mundo tem sua beleza natural que não depende de filtros.